
Descrição da imagem: Fotografia em preto e branco, em formato horizontal. Em plano detalhe, ocupando toda a imagem, a parte esquerda do rosto de um homem negro. O foco da câmera está principalmente em seu olho, que olha diretamente para frente. A íris é nítida e de um tom escuro intenso. No lado direito da imagem, a orelha ligeiramente visível e desfocada. Sobre a fotografia, escritos cursivos em branco, propositalmente ilegíveis, espalhados pelo canto inferior esquerdo e pelo canto superior direito. No canto inferior direito, em letras brancas, lê-se: Dor e Narrativa, do Edital Paulo Gustavo de Minas Gerais. Logo abaixo os logotipos do Edital Paulo Gustavo, da Secretaria de Cultura e do Governo Federal do Brasil.
Como a arte pode transformar experiências de dor em potência criativa? Esta foi a pergunta que orientou a residência Dor e Narrativa, realizada em São Domingos do Prata (MG), unindo psicologia, fotografia e artes plásticas.
O projeto envolveu seis participantes indicados por três instituições locais, CAPS, APAE e Escola Estadual Marquês Afonso. Cada pessoa trouxe dores distintas: preconceito, insegurança, luto, maternidade interrompida, saudade e ausência de espaço pessoal.
A proposta foi criar um percurso artístico composto por escuta, ensaio fotográfico, intervenção manual e partilha pública, no qual cada participante se tornasse sujeito e criador de sua própria narrativa.
Metodologia
1ª Etapa: Entrevista inicial – a escuta da dor
O processo começou com conversas individuais, conduzidas com apoio das instituições e profissionais de psicologia. Mais do que uma coleta de informações, foram momentos de escuta sensível e registro documental, realizados com câmera como forma de estudo e aprofundamento futuro.
As entrevistas foram pensadas para que o participante não olhasse para a câmera, mas sim para mim, a entrevistadora. Essa escolha buscou criar um ambiente de confiança e naturalidade, onde cada pessoa pudesse se expressar sem se sentir observada ou exposta.
Cada participante pôde nomear a dor que queria ressignificar. Essas falas trouxeram símbolos, imagens e desejos que se tornaram matéria-prima para os ensaios fotográficos.
Por questões éticas e de privacidade, nenhum material bruto dessas entrevistas será disponibilizado ao público. Todo o conteúdo audiovisual serviu apenas como material interno de estudo e para embasar o processo criativo.

Descrição da imagem:
Fotografia colorida em formato horizontal. Sobre fundo cinza muito claro, uma mulher de costas opera uma câmera posicionada sobre um tripé. A mulher é branca, tem cabelos castanhos com algumas mechas claras, cacheados e presos em duas tranças que se unem, na altura dos ombros. Veste camiseta verde-musgo de gola redonda e, na orelha direita, usa um brinco longo em formato de gota, feito de miçangas pretas e brancas. A câmera, de cor preta, está virada para a diagonal direita. Em sua tela, o enquadramento em retrato de uma mulher de cabelos escuros, olhando para a frente. Ao fundo, vê-se a silhueta desfocada de uma segunda pessoa, parcialmente visível, vestida de preto.
2ª Etapa: Ensaio fotográfico – o corpo como narrativa
A fotografia foi construída em diálogo com cada pessoa:
– Cenário escolhido a partir de lugares de afeto ou significado.
– Elementos visuais simbólicos (tecidos, objetos, gestos, cores).
– Direção estética baseada nos desejos e sonhos individuais.
O ensaio não foi registro, mas espelho simbólico: um lugar em que o participante pôde se ver de forma diferente, performando suas dores e também suas potências.

Descrição da imagem:
Fotografia colorida, em formato horizontal.
Em plano aberto, sob um céu azul das serras de Minas Gerais, uma mulher fotografa um homem em uma encosta de terra avermelhada. À esquerda, uma mulher branca, de cabelos cacheados na altura dos ombros. Ela veste calça cargo marrom, tênis All Star também marrom e um casaco bege. À direita e mais à frente, um jovem negro envolto por um tecido branco, fino e transparente, que se esvoaça ao vento e cobre parcialmente seu corpo, tornando-o pouco visível.
O solo irregular é de terra avermelhada, com trechos cobertos por grama seca e esparsa, especialmente na parte inferior e à esquerda da imagem. Ao fundo, a vegetação densa de árvores e arbustos de folhas verde-escuras contrasta com o céu azul claro e límpido. No horizonte à direita, vê-se uma formação rochosa.
3ª Etapa: Oficina artística – interferir na própria imagem
Com as fotos reveladas, cada participante foi convidado a intervir nelas. As técnicas variaram entre colagem, costura e bordado para reconstruir, unir ou iluminar imagens. Pintura para acrescentar camadas de cor e vida. Gestos de desconstrução (recortar, queimar, rasgar) seguidos de recomposição, como ato de reelaboração simbólica.
Manipular a própria imagem foi decisivo: não bastava olhar-se, era preciso agir sobre si, materializando a transformação da dor em obra.



Descrição das imagens:
Fotografias coloridas em formato vertical, dispostas lado a lado.
Na primeira dupla de fotos, à esquerda, um participante negro, de camiseta azul-escura, está sentado à mesa e manipula um tecido preto sobre uma fotografia impressa. À direita, uma pessoa pinta sobre uma foto com pinceladas abstratas em cores vibrantes sobre o papel fotográfico.
Na segunda dupla de fotos, à esquerda, uma mulher de pele clara, que usa óculos, se inclina sobre uma foto de retrato impressa, enquanto faz intervenções de bordado com agulha e linha sobre a imagem. À direita, uma mão negra aplica linhas amarelas que formam bordado sobre uma fotografia.
Na terceira dupla de fotos, à esquerda, um jovem de pele morena, usando boné preto,com um pincel fino, aplica tinta amarela em uma grande fotografia que mostra um rosto masculino. À direita, uma pessoa inclinada pinta uma foto segurando um godê de plástico com porções de tinta colorida, ao lado de pincéis e potes de tinta.
4ª Etapa: Partilha final – tornar coletivo
A etapa final do projeto Dor e Narrativa é a partilha dos resultados.
Realizamos uma exposição em São Domingos do Prata (MG), reunindo fotografias, intervenções artísticas e depoimentos dos participantes. Foi um momento de celebração e reconhecimento: cada pessoa pôde mostrar seu processo para familiares, amigos, comunidade e para si mesma, fortalecendo vínculos e autoestima.
Narrativas
Maicon
Instituição parceira: Escola Estadual Marquês Afonso
Jovem de 18 anos, sensível e artístico, apaixonado por moda, maquiagem e fotografia. Sofreu preconceitos na escola por sua identidade como homem gay, mas hoje busca libertação desses julgamentos e o apoio da família, especialmente da mãe.
– Ensaio: mirante natural com tecidos preto e branco, símbolos de aprisionamento e libertação.
– Oficina: costurou o tecido original sobre as fotos, expandindo-o para além da imagem.
– Impacto: a fotografia se tornou um sonho de leveza e futuro.

Descrição da imagem:
Fotografia colorida em formato horizontal.
Um jovem negro de pele clara, de corpo magro e sem camisa, é parcialmente encoberto por um tecido branco, fino e transparente. Ele está de perfil, com os braços levantados para o alto. Sob o forte contraste da luz solar, as costelas do jovem estão evidentes. O tecido cobre os braços e a cabeça do jovem até a altura dos ombros. Ele esvoaça ao vento, exibindo dobras e ondulações geradas pela luz intensa que o ilumina por trás. O fundo está desfocado e mostra uma paisagem da serra com vegetação em tons de verde e marrom. O céu está claro, em tons de azul levemente amarelado.
” As fotos ficaram incríveis.
Parece que foi um sonho”

Descrição da imagem:
Fotografia colorida, em formato vertical.
Em plano geral, um jovem negro de pele clara, magro e sem camisa, está em pé sobre um chão de terra seca em tons de vermelho e marrom. Ele está descalço e veste uma calça preta, amarrada na cintura. Sua cabeça e rosto estão cobertos por um tecido branco, fino e translúcido, que se estende em direção à direita da imagem, formando uma longa cauda esvoaçante. Através do tecido, percebe-se levemente o contorno da parte inferior do rosto. Os braços estendidos ao longo do corpo, com as mãos fechadas.
O solo apresenta pequenos tufos de grama seca e pedras dispersas. Ao fundo, a vegetação é rala, com algumas árvores de troncos finos e copas verde-escuras. O céu é limpo, em azul claro.
Graziele
Instituição parceira: APAE
Mulher negra quilombola, mãe de Ragner, um menino autista. Para ela, cuidar do filho é missão e alegria, não dor. Sua saudade está na família distante e na recente perda do pai, homem de referência em sua vida.
– Ensaio: fotografias com o filho e com familiares, atravessadas pela ausência paterna.
– Oficina: bordou sobre as imagens, trazendo luz, amor e preenchendo simbolicamente o espaço do pai e sua relação com seu filho.
– Impacto: transformou o luto em gesto de memória e continuidade.


“Eu amei a experiência, foram momentos que marcaram minha vida pra sempre (…) retratou bem a união da minha família.”

” Sinto que as pessoas estão em outra vibração, prefiro me afastar e estar comigo mesmo.”
Felipe
Instituição parceira: CAPS
Homem espiritualizado, fala sobre Deus, cristais e a capacidade de ver luz nas pequenas coisas. Sente-se em descompasso com as pessoas ao redor e busca paz interior.
– Ensaio: gestos e olhares voltados para o alto, em conexão com o divino.
– Oficina: pintou intensamente suas fotos com tintas de tecido, quase sem conseguir parar.
– Impacto: revelou uma veia artística pulsante, transformando energia acumulada em criação.

Geaciane
Instituição parceira: APAE
Mãe dedicada, divide sua vida entre o filho autista e o marido. Ama a família, mas sente falta de tempo para si, de se ver como mulher independente.
– Ensaio: com maquiagem profissional e produção, viveu um momento de autoestima. Foram feitos registros com o filho e o marido, mas também fotos só dela.
– Oficina: costurou linhas que simbolizam união familiar, florescendo das mãos do filho.
– Impacto: celebrou a união, mas também reafirmou seu desejo de se reconhecer para além da maternidade.


“O projeto já foi um presente pra mim.”

“Seu depoimento entra aqui”
Anya
Jovem em busca de identidade, inspirado por referências pop.
Vive inseguranças com o corpo e o rosto, oscilando entre desejo de transformação e dificuldade de aceitação.
– Ensaio: imagens performáticas que mostravam tanto o corpo que gostaria de ter quanto os traços que valoriza.
– Oficina: recortou, queimou e costurou as fotos, transformando-as em colagem de destruição e reinvenção.
– Impacto: o gesto performático materializou sua relação intensa com a autoimagem.
– “Anya”: Participante optou por não revelar sua identidade nem sua instituição de origem. Para preservar sua privacidade, utilizamos o pseudônimo, escolhido em referência às suas inspirações pessoais.
O anonimato foi respeitado como parte essencial do processo: garantir que cada pessoa pudesse se expressar com segurança, autonomia e liberdade.
Pelo o mesmo motivo o ensaio completo não será disponibilizado.

Mízia
Instituição parceira: CAPS
Superando depressão pós-parto e TOC, viveu a dor de ter sido afastada da filha, hoje adolescente. Sua esperança é poder reencontrá-la integralmente.
– Ensaio: inicialmente trabalhamos uma fotografia em que aparecia com a filha, mas a carga emocional foi intensa. O foco se voltou então para imagens que elevassem sua autoestima, em que ela mesma escolheu como queria ser vista forte, bonita e confiante.
– Oficina: concentrou sua intervenção justamente naquela única foto em que estava ao lado da filha, trazendo cores e alegria para a memória que guarda.
– Impacto: transformou ausência em símbolo de esperança.
– Nota ética: o ensaio completo de Mízia não será exibido publicamente, pois contém imagens da filha. O resultado integral foi entregue apenas à participante, respeitando sua privacidade. Aqui, apresentamos apenas duas fotografias selecionadas, que não comprometem nem a filha nem o processo íntimo.


“Quero ser melhor para mim e para minha filha.”
Resumo do Projeto
Resultados
– 6 participantes diretos (indicados por CAPS, APAE e Escola Estadual).
– 24 encontros entre entrevistas, ensaios, oficinas e feedback com os participantes.
– 7 encontros para estudo e mapeamento com profissionais da área da psicologia, artes e educação.
– 8 profissionais da área da psicologia, artes e edução envolvidos diretamente no projeto como um todo.
– 6 ensaios fotográficos autorais.
– 12 obras de intervenção artística.
– Impactos observados: fortalecimento da autoestima, elaboração de luto, reconciliação com a autoimagem, acolhimento comunitário, reconhecimento artístico.
Reflexões e aprendizados
A residência Dor e Narrativa mostrou que:
– A escuta inicial é fundadora: sem ouvir a dor, não há símbolo verdadeiro.
– A fotografia é espelho e catalisador: ao se ver em imagem, cada pessoa inicia um processo de transformação.
– A oficina manual é ato performático: intervir na própria foto é intervir na própria narrativa.
– A partilha amplia sentidos: o íntimo se torna coletivo, e a comunidade é convidada a cuidar junto.
Para a proponente, o projeto foi também uma pesquisa viva sobre como a dor pode ser transformada em arte e como a arte pode se tornar linguagem de resistência, esperança e beleza.
Conclusão
Mais do que um projeto artístico, Dor e Narrativa se configurou como método. Escutar, representar, intervir e partilhar, quatro gestos que podem ser replicados em outros contextos, sempre mantendo o propósito essencial: transformar a dor em linguagem e ser útil à vida.
Oficina de autorretrato



Como contrapartida gratuita do projeto Dor e Narrativa, realizei uma oficina voluntária de autorretrato na Escola Estadual Marquês Afonso, aberta a inscrições entre os alunos do 1º, 2º e 3º ano do ensino médio. Foram três encontros dedicados a estimular a criatividade e a expressão pessoal dos estudantes.
Durante a oficina, apresentei um contexto histórico do autorretrato, discuti a fotografia como linguagem e ofereci dicas técnicas e estéticas para que cada jovem pudesse experimentar o autorretrato não apenas como registro, mas como forma de se olhar e se afirmar. Também trabalhamos sobre como usar a fotografia para expressar identidade e emoções.
Como desafio final, cada inscrito foi convidado a me enviar seus próprios autorretratos. Para incentivar o exercício, os envios participaram de um sorteio de um ensaio fotográfico profissional. O resultado foi expressivo: recebi 27 fotografias e ensaios individuais, um número significativo considerando a timidez e o contexto adolescente.
Embora esses trabalhos não sejam partilhados publicamente, por se tratarem de ensaios íntimos e pessoais, o impacto foi visível: os estudantes se entregaram ao processo, experimentando novas formas de se ver e se expressar.
O sorteio já foi realizado e a aluna vencedora terá seu ensaio profissional em outubro/2025, ampliando ainda mais os frutos dessa experiência.
Instituições Parceiras

Escola Estadual Marquês Afonso
Uma das principais instituições de ensino de São Domingos do Prata, formando jovens do ensino médio e contribuindo para o desenvolvimento cultural e social da cidade.
No projeto Dor e Narrativa, a escola foi parceira fundamental em dois momentos: ao abrir espaço para a realização das oficinas com alunos do 1º, 2º e 3º ano do ensino médio, e também ao indicar um jovem para o ensaio fotográfico individual.
Essa colaboração possibilitou que os estudantes fossem reconhecidos não apenas como alunos, mas como protagonistas de suas próprias histórias, transformando vivências pessoais em arte e fortalecimento coletivo.

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE de São Domingos do Prata
Uma OSC (Organização da Sociedade Civil), sem fins lucrativos e beneficente de assistência social, com atuação nas áreas de assistência social e educação.
Sua missão é “promover e articular ações de defesa de direitos e prevenção, orientações, prestação de serviços e apoio à família, direcionadas à melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência e à construção de uma sociedade justa e solidária.”
Na residência, a APAE foi essencial para indicar participantes e garantir que mães, famílias e pessoas em processo de inclusão pudessem vivenciar o projeto.

Caps Prata Espaço Vivo – Centro de Atenção Psicossocial, tipo I.
O CAPS Espaço Vivo é um centro de atenção psicossocial dedicado ao tratamento e acompanhamento de pessoas em sofrimento mental e em situações de uso abusivo de álcool e outras drogas. Mais do que um espaço clínico, é também um ambiente de acolhimento, escuta e fortalecimento comunitário.
No projeto, o CAPS foi um parceiro indispensável, indicando participantes que encontraram no processo artístico um lugar de expressão, cuidado e ressignificação. A parceria mostrou como arte e saúde mental podem caminhar juntas.